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Sobre a acessibilidade do portal do Governo

Foi ontem publicado um artigo no jornal Público a apontar a falta de acessibilidade do website do Portal do Governo. Nesse artigo, são citadas as opiniões de alguns especialistas, incluindo eu próprio.

Apesar do artigo apontar apenas os problemas identificados e não apontar sugestões de melhoria, é natural que alguns leitores achem que estamos apenas a "mandar abaixo" e a "dizer mal" em vez de estarmos calados no nosso canto.

Pessoalmente, custa-me que o artigo tenha apenas os pontos negativos e custa-me estar associado ao grupo de "velhos do restelo" que só dizem mal de tudo e de todos.

Acho que a empresa que desenvolveu o website do Portal do Governo não fez um mau trabalho. A sério. Todos os dias vemos enormes aberrações no nosso browser e ninguém se queixa nem se fazem artigos no jornal.

Mas o problema é que o Portal do Governo é, um site do governo. E como site do governo, tem de cumprir as regras estabelecidas pela resolução do conselho de ministros que obriga a que os websites da Administração Pública sejam compatíveis com a norma A de acessibilidade (os sites transaccionais são obrigados a passar a norma AA).

Quando digo que a empresa que criou o site fez um bom trabalho, refiro-me ao grafismo bastante apelativo, às páginas com conteúdos bastante interessantes (ex: para onde vão os seus impostos) e nada normais àquilo a que normalmente estamos habituados nos sites do estado (aborrecidos e demasiado institucionais). Fizeram também um bom trabalho, pelo menos para tentarem passar nos validadores automáticos de acessibilidade (apenas são detectados pequenos erros). Ou seja, eles pelo menos tentaram, e têm todo o mérito por isso.

Mas faltou-lhes só um bocadinho assim.

E é esse bocadinho que dá origem ao artigo e à onda de protestos pro e contra a falta de acessibilidade do website.

É claro que os problemas que restaram são problemas graves, como a impossibilidade de navegar com o teclado (ou qualquer outro dispositivo não apontador) ou a clara falta de contraste na cor dos textos (idosos e míopes vão ter dificuldade em ler). Mas são tudo pequenas coisas que em menos de 1 hora eram facilmente resolvidas mudando 2 ou 3 linhas no CSS e eventualmente fazendo alguns ajustes no HTML (para melhorar a estrutura dos headings). Isto tudo são problemas que os validadores automáticos remetem para uma validação manual, que ficou por fazer.

E para quem diz que apenas estamos aqui para mandar abaixo, há dois meses atrás fiz uma apresentação sobre como melhorar a acessibilidade de um website mudando apenas alguns pedaços de HTML e CSS. Nessa apresentação estão disponíveis as soluções que faltam para o site do Portal do Governo (infelizmente essa informação não saiu no artigo, apesar de ter sido fornecida) e outras que toda a gente pode aplicar nos seus websites, em menos de 1 hora.

Podem ver a apresentação aqui.

Sobre os comentários que apontam o SAPO como tendo também problemas de acessibilidade, é provável que os tenha, mas tentamos ao máximo fazer cumprir as nossas regras de usabilidade e acessibilidade aos nossos produtos.

Um dos exemplo apontados foi o facto de na homepage do SAPO não ser possível navegar com o teclado. Isso não é verdade. A navegação com o teclado é possível e o feedback é apropriado (damos sempre visibilidade ao link seleccionado). No entanto, por questões comerciais (às vezes o dinheiro fala mais alto), fomos obrigados a fazer "focus" no campo da pesquisa, o que faz com que os "skip-links" (que existem) deixem de ter o efeito desejado. Se clicarem fora da pesquisa e começarem a navegar com a tecla TAB verão os atalhos para as zonas mais importantes da página.

Por isso, todos os dias lutamos para tornar os nossos websites mais fáceis de usar e acreditem que não é fácil porque temos que justificar sempre muito bem as nossas decisões.

Mas nada melhor do que ver um utilizador invisual ou com paralisia cerebral a tentar executar uma tarefa num website, e ver o seu desespero durante 10 minutos a tentar executar uma tarefa que um utilizador "normal" faria em 10 segundos. Isso, meus caros, mudará completamente o vosso ponto de vista quando falarem sobre acessibilidade.


10 Comentários

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  1. Paulo A. Silva

    Os jornais e media em geral, normalmente não contam a história toda. Basta ver pelas “Gordas” que muitas vezes anunciam polémica, mas no corpo do texto vê-se que é do outro lado do atlântico: um click, uma pageview, muita publicidade…

    Quanto ao portal, depois de ver o vídeo de apresentação, quis criar de imediato um movimento.

    Registo ou autenticação pelo facebook!
    E autenticação com o Cartão do Cidadão?
    Mas afinal quem é a autoridade: o Governo Português ou o Mark Zuckerberg.

    Quero alertar o webmaster para esse facto e… não encontro nem endereço, nem formulário para o efeito.

    Ainda faltam umas coisas.
    Vou esperar :D

  2. José Campos

    Concordo contigo quando dizes que é preciso apontar os problemas numa óptica construtiva, não para “mandar abaixo”, mas para alertar e sensibilizar. Se considerarmos que o impacto da notícia está sempre relacionado com a quantidade de polémica que desencadeia, é natural que o trabalho editorial se tenha focado nos pontos negativos.

    Idealmente, soluções concretas para os problemas, como as que apresentas aqui, fazem toda a diferença entre alguém que “manda bitates” e alguém que sabe do que fala e tem experiência no terreno, que mete as mãos na massa.

    Também gostei de conhecer o teu posicionamento sobre o equilíbrio entre o “ideal” e “possível”. Quem trabalho nisto há algum tempo, e ainda mais no nosso contexto português, sabe como as coisas funciona na prática: um jogo constante para encontrar soluções de compromisso.

    Já tive um contacto com a Grand Union (empresa que desenvolveu o site em questão), embora indirecto. E fiquei muito bem impressionado com a qualidade e o profissionalismo deles. Gostava de um dia poder ter um contacto mais directo com essa empresa, pois acredito que está acima da média no que toca à sensibilidade para questões ligadas à usabilidade e acessibilidade.

    Força. E venham mais artigos destes :)

  3. João Pedro Pereira

    Ivo, não é papel dos jornalistas avaliar o site (não iria tecer considerações sobre o grafismo, por exemplo). E as novas funcionalidades já tinham sido descritas na notícia do lançamento (que tem link a partir da notícia sobre a acessibilidade). E, por fim, nunca cabe aos jornalistas (não numa notícia, pelo menos) dar sugestões de melhoria.

    O caso aqui é simples. O portal tem falhas e contraria o disposto numa resolução do conselho de ministros. A situação é confirmada e descrita (o Governo podia ter respondido; não o fez). As sugestões de melhoria, quando muito, decorrem implicitamente do próprio facto de os problemas serem apontados: cumprir a resolução e rectificar as falhas.

    De resto, hoje melhoraram alguns pontos e criaram esta página: http://www.portugal.gov.pt/pt/acessibilidade/declaracao-de-conformidade-parcial.aspx

  4. Ivo Gomes

    João, o meu post não foi para dizer mal do teu artigo, foi apenas para esclarecer os trolls que dizem que os especialistas citados são especialistas da treta. E para complementar com mais alguma informação que poderá ser útil para quem quer saber um pouco mais sobre o tema.

  5. Lopo

    Ao menos usassem o OpenID que sempre era controlado pelos próprios, se assim o quisessem.

  6. Ivo Gomes

    O OpenID tem outros problemas próprios de usabilidade que precisam de ser resolvidos antes de ser adoptado como login corrente.

  7. João Pedro Pereira

    Pois, trolls, é o meu dia-a-dia… Gosto sobretudo dos que dizem que são apenas pormenores de fácil resolução – o que seria mais uma razão para estarem implementados de início. Abraço

  8. Rogério Pereira

    Ivo, o teu último parágrafo diz tudo. Só tendo a experiência de ver uma pessoa com deficiência visual usando um site para entender o tamanho do problema.

    Fiz um post em meu blog falando sobre a experiência que tive em um teste de usabilidade e acessibilidade.

    Veja o post aqui.
    http://verd.in/cxm9

  9. Isaias Coelho

    Nota-se que as vezes a maioria dos problemas que interfere no quesito acessibilidade venha de imposições encontradas no lado backend. O front-end e o back-end devem estar sintonizados e alinhados quando o assunto é acessibilidade. Já presenciei várias vezes meu código html+css não passar nos validadores da W3c após inserção da linguagem de programação. O que falta nesta caso é uma re-avaliação de todo o código, após este processo de automação.

Blogs que "linkam" para aqui

  1. Sobre o portal do governo | Lote125
    10 de Março de 2012, 11:29

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